quinta-feira, 20 de março de 2014


O morador de rua, a poesia e a criança.
A princípio, parece impossível a relação entre as citações do título. Tão díspares os assuntos e ao mesmo tempo, tão ricos o conteúdo dos três diferentes universos. O suficiente para se escrever compêndios volumosos e desenvolver teses de mestrado. Criar programas específicos de recursos governamentais, para custear estudos de cada um deles em separado.
Mas não é difícil compreender que tudo está relacionado às oportunidades que as pessoas têm, ou não, de viver a sua vida em plenitude.
Quem sai às ruas para praticar a semeadura está sujeito a intempéries, mas também pode encontrar um solo fértil para suas sementes. Mesmo quando o que mais se tem à disposição é o chão coberto de pedras, concreto e asfalto. Olhos duros. Olhos duros que te fitam como se fosses um invasor, um alienígena prestes a roubar-lhes a alma. Talvez o poeta seja mesmo um ser de outro planeta, ou do satélite chamado lua. Pode ser. Mas é aqui que o poeta vive, se alimenta e busca um pouco de reconhecimento. Um eco às suas palavras cavadas a cabo de enxada e calos nas mãos.
Nós, da Governadoria da Associação Internacional de Poetas del Mundo para Santa Catarina, realizamos em Blumenau, de 11 a 14 de março de 2014, a segunda edição da FLIPAZ. Uma festa literária em prol da paz.
Tivemos duas noites para apresentação do recital de poemas e fragmentos.
Na terceira noite, levamos duas escritoras jovens a uma livraria para uma sessão de autógrafos e conversa com leitores. Ao mesmo tempo, para que as autoras pudessem colocar suas obras á venda na vitrine do escritor catarinense, pois é lá que já deveriam estar há
mais tempo.
Para encerrar a semana do evento, promovemos uma caminhada poética, iniciando pela biblioteca municipal, pois nas palavras do poeta Alcides Buss, a biblioteca é o lugar mais importante da cidade.
Fomos recebidos soberbamente pelos funcionários e consulentes do local sagrado dos livros. A poesia no seu habitat.
Na escadaria da Catedral de São Paulo Apóstolo, segundo ponto de parada da caminhada poética que realizamos no dia 14 de março, várias pessoas subiam e desciam apressadas. Algumas atentas a nossa leitura de poemas, outras nem tanto. Muitas sorriam e aceitavam os nossos livros de presente, pelo Dia da Poesia. Mas teve um cavalheiro bem vestido e parecendo culto, (levava um jornal debaixo do braço) que disse, não.
Bem ao nosso lado, um mendigo sentado num dos degraus da escadaria de pedra rosa, por diversas vezes estendeu a sua mão magra aos transeuntes, pedindo algum dinheiro para um prato de comida.
E quando percebeu que iríamos nos retirar, surpreendeu-nos com um pedido inusitado. Eu também quero um livro de poesia. Aproximei-me dele com um livro na mão e perguntei-lhe. O senhor gosta de poesia? Sim, eu gosto. Escrevia poesia quando estava na escola. E hoje, não escreve mais? Não. Porque eu moro na rua.
Um soco daqueles bem na boca do estômago. Conversei mais um pouco com ele e segui com os amigos poetas pela rua quinze, para concluir o roteiro que havíamos planejado.
Mais adiante, em frente ao teatro, entre todas as pessoas que passaram durante a nossa ação , um casal de turistas , muito atentos, parou para acompanhar o olhar da filha, uma graciosa menina de uns quatro ou cinco anos. A criança havia se interessado por um livro, que uma das nossas companheiras de caminhada poética trazia para oferecer. Rapidamente, ela deu o bichinho de pelúcia que levava nas mãos para o pai segurar, para que então, pudesse abraçar o livro que acabara de ganhar na rua. Agradeceram e se afastaram. Deram uns passos e retornaram. A menininha de cabelos negros, agora no colo do pai e com o livro novo junto ao peito, disse: Vocês têm um livro para a minha mãe? Sim, temos um livro para a sua mãe!
Ganhamos o dia.
Terezinha Manczak
(in repercução da FLIPAZ 2014)

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